Quase todo dia pego táxi por causa do trabalho. Os caminhos que faço são
cada vez mais engarrafados, e, é claro, já peguei todo tipo de motorista. Mas o
de hoje rendeu a conversa abaixo. Entro no táxi com uma pasta e falando no
celular, aviso a meu namorado que já está tudo ok com nossas reservas, que já
confirmei tudo e desligo dizendo que quero que chegue logo sexta-feira. Ao
desligar, em um trânsito caótico no Rio de Janeiro, o taxista abaixa o som e
puxa conversa:
- Animada para o Carnaval?
Paro de mexer no celular e respondo um sim desanimado. Ele continua:
- Sei como é, na sua idade eu pulava e bebia muito, era solteiro e amava
Carnaval, às vezes nem voltava para o trabalho na quarta de cinzas.
Sem ter muito o que dizer, sorrio. Ele continua:
- Você vai viajar, né? Vai para onde?
Respondo educadamente:
- Curitiba!
Ele vira para trás:
- Tá maluca, moça, vai para Curitiba fazer o que? Lá não tem blocos, a
Apoteose é aqui, todo mundo querendo vir para cá e você saindo? Se ainda fosse
na Bahia... mas Curitiba?
Respiro fundo:
- Pois é, eu amo ficar longe do Carnaval, não gosto de blocos, não bebo,
também não sou fã de praia e acho que esse lugar é perfeito para o que eu
preciso.
Ele vira de novo:
- Moça, com todo o respeito, mas o que você precisa é de uma boa dose de
sol e você será outra pessoa. Nem parece que mora no Rio, branca assim.
Me dou o trabalho de responder:
- Mas eu não curto sol, gosto de sombra, de lugares mais frios, entende?
Ele balança a cabeça:
- Não, claro que não. Você é casada? Seu marido aceita isso? Nunca vi
fugir do sol, do bloco, você é evangélica moça? Não bebe, não pula Carnaval...
Antes de responder que não sou evangélica ele continua.
- Logo vi, evangélica, por isso está com toda essa roupa nesse calor de
40 graus e com esse livro imenso, é a Bíblia, né?
O trânsito continua lento e respondo com minha paciência de Sidarta:
- Não, isso não é a Bíblia, isso é um livro, fala de amor, é um romance
e sou católica não são somente evangélicos que não bebem.
Ele faz uma curva, e meu celular toca, ao desligar vi que ele prestou
atenção na conversa. Basta eu desligar para ele continuar.
- Curitiba... vai ter baile lá? Ou você tem parente, não é? Acertei? É
seu marido que tem parente?
Mais uma vez completo:
- Não tem baile, não tem parente, não sou casada. Sou fã de sombra, de
cinema, de livros e de shoppings, só isso.
Inconformado e quase chegando ao meu local de destino, ele não desiste:
- Moça, nem uma fantasia? A juventude passa assim ó, quando ver está
casada e com filhos vai lembrar dos meus conselhos.
Aí já foi demais, acho que aumento o tom de voz:
- Olha, eu não vou comprar fantasia alguma, quando quero fantasiar sonho
com os personagens de meus livros, por isso sempre carrego livros comigo,
filmes... minhas fantasias são eles. E meu namorado não gosta de nada disso
também, então Curitiba será perfeito para nós dois.
O local chega, pago a corrida, e ele fala antes de eu descer:
- Olha, aqui é pertinho do Saara, você vai encontrar fantasias
baratinhas, ou pelo menos um adereço, compra um para você, um para o seu
namorado, deixa o livro de lado, homem não gosta de mulher que lê muito não,
moça.
Agradeço, dou de costas, e ele ainda grita:
- Bom Carnaval para você.
O meu vai ter tudo que amo, e o seu?